Num tempo de crise identitária onde a desigualdade social continua a ser um problema global e os temas em torno da participação parecem finalmente voltar a suscitar interesse, a exposição Vizinhos. Onde Álvaro encontra Aldo, tem uma actualidade especial.
O modo como Álvaro Siza desenvolveu os projectos de habitação social e conduziu os processos de participação, dá-nos pistas essenciais para repensar o papel social da arquitectura e dos seus instrumentos para combater a exclusão social e melhorar as condições de vida das populações, sem que para isso se tenha de abdicar da autonomia disciplinar da arquitectura.
A exposição do CCB não é uma exposição de arquitectura dedicada à obra ou à figura de um arquitecto. É uma exposição que nos convida a acompanhar Álvaro Siza numa viagem de reencontro com pessoas e lugares em transformação, aproximando vizinhos e arquitecturas de diferentes cidades europeias.
Por entre maquetas, vídeos e fotografias observamos o diálogo de Álvaro Siza com cada cidade, cada edifício e muito particularmente com os moradores que visita no interior das suas casas, reflectindo com eles sobre o que correu bem e disponível para continuar a pensar o que poderia ser melhor.
Os quatro projectos apresentados têm uma matriz comum de aproximação e diálogo com o lugar, partilhando entre si a capacidade de Álvaro Siza revelar e reinventar o que já lá estava. A partir da análise do real, Siza trabalha sobre os valores permanentes da arquitectura, sobre a escala e os modelos do tempo longo, recuperando referências e reconstruindo a identidade de cada lugar.
Depois da experiência no processo SAAL/Norte no pós-25 de Abril, do contacto com as populações das “ilhas” do Porto e da construção de uma metodologia de projecto inovadora, Álvaro Siza ganha dois concursos internacionais no início dos anos 80 para Berlim e Veneza, e é convidado para trabalhar em Haia, em 1984.
A partir de uma capacidade especial de compreender a morfologia urbana de cada cidade e as suas invariantes tipológicas, Siza retoma os modelos do Movimento Moderno, recusando a linguagem pós-moderna, e propõe uma arquitectura autêntica e racional que utiliza os materiais locais, estabelece relações de escala e proximidade com a envolvente, consolida percursos existentes e amplifica o imaginário dos futuros moradores.
Apesar das condicionantes económicas presentes na construção dos programas de habitação social e dos processos de debate e discussão dos projectos com os futuros moradores, reconhecemos em qualquer uma destas quatro obras, a capacidade de Álvaro Siza estabelecer compromissos com todos os intervenientes e gerir conflitos políticos e sociais, mesmo quando tem de aguardar várias décadas para ver concluídas algumas das suas obras, como nos casos do Bairro da Bouça, no Porto e do Campo di Marte, em Veneza.
Por ter rejeitado a construção de casas para comunidades ou etnias específicas, e por ter optado sempre por desenhar um modo de habitar que se pudesse ajustar a várias comunidades, conseguimos hoje encontrar no interior das casas de cada um destes programas de habitação social um certo ar de família que as une e aproxima.
O reconhecimento da importância destas quatro experiências e da necessidade dos arquitectos voltarem a assumir um papel social activo para melhorar a vida das populações, é assim essencial para a construção de verdadeiros processos de participação e de múltiplas e inclusivas relações de vizinhança, que contribuam mais do que nunca para a salvaguarda do património identitário, não só dentro de cada cidade, ou país, como também no contexto europeu, tal como Álvaro Siza nos continua a ensinar.